Por Lívia Duarte
A palavra “agroecologia” não aparece na 
Declaração Final da Cúpula dos Povos. Mas os 
princípios para que ela floresça estão por toda parte no documento: desde a 
afirmação como eixo de luta da “soberania alimentar e alimentos sadios, contra 
agrotóxicos e transgênicos” até a “soberania dos povos no controle dos bens 
comuns”, passando pela “garantia do direito dos povos à terra e ao território”. 
Além disso, a declaração aponta que “as alternativas [ao modelo capitalista] 
estão em nossos povos, nossa história, nossos costumes, conhecimentos, práticas 
e sistemas produtivos, que devemos manter, revalorizar e ganhar escala como 
projeto contra-hegemônico e transformador”.
Assim, sem ler a palavra, se pode ler “agroecologia” no documento redigido a 
partir de apontamentos feitos em mais de 800 atividades autogestionadas e do 
esforço de síntese que já havia sido realizado nas plenárias sobre Soberania 
Alimentar; Energia e Indústrias Extrativas; Defesa dos bens comuns contra a 
mercantilização; Direitos, por justiça social e ambiental; Trabalho: por outra 
economia e novos paradigmas. Já no documento saído da plenária de Soberania 
Alimentar, a agroecologia é definida como “nosso projeto político para a 
transformação dos sistemas de produção de alimentos”. 
Ao diagnosticar as 
causas das múltiplas crises atuais e as falsas soluções oferecidas, por exemplo, 
na Rio+20, a plenária de Soberania Alimentar culpou o agronegócio, suas 
corporações e, em muitos casos, a conivência de governos com os interesses 
destes. Lembrou da “ineficiência do agronegócio e da cadeia alimentar industrial 
[que] gera cerca de 30% de perda dos alimentos produzidos”. E destacou: “a 
produção do agronegócio é dependente de transgênicos, dos agrotóxicos e dos 
fertilizantes químicos”. Constatou também que 50% das emissões de gases 
causadores de efeito estufa são resultado da cadeia alimentar global. Afirmou 
ainda que suas práticas geram concentração das terras e privatização da 
biodiversidade, conflitos por terra, água e território; exploração dos 
trabalhadores e trabalhadoras – além de trabalho infantil; apropriação e 
grilagem que chega à cultura e ao conhecimento. 
Acompanhando as atividades autogestionadas, foi possível ver o surgimento de 
cada uma dessas afirmações de pouco a pouco. Em vários momentos, especialistas 
decretavam a inviabilidade do sistema atual a longo prazo. No seminário 
Tempo de agir por mudanças radicais, durante a 
mesa A falsa solução dos transgênicos e os movimentos de resistência, Angelika 
Hillback, da Rede Européia de Cientistas pela Responsabilidade Social e 
Ambiental, apontava o fim do sistema agroindustrial como vemos hoje.
“A pergunta é quando vamos mudar porque estamos ficando sem terra fértil, sem 
água, sem petróleo. Todo o modelo atual de agricultura foi desenhado depois da 
Segunda Guerra Mudial. Não suponho e nem acredito que devemos voltar ao que 
tínhamos antes da guerra. O que precisamos é de um novo paradigma 
descentralizado, que tem como lógica a eficiência e não a produtividade”, 
analisou. 
No mesmo espaço de debates, Vandana Shiva, diretora da Fundação de pesquisa 
para ciência, tecnologia e ecologia, da Índia, valorizava a “resistência 
criativa” dos povos a partir da preservação do conhecimento e da 
biodiversidade.
“Não devemos pensar o problema a partir do ponto de vista do dominador. Somos 
levados a acreditar que se não houver um transgênico, se não houver um organismo 
sintético, não há ciência. Somos obrigados então a mostrar outras ciências, que 
são mais ricas, sofisticadas e menos cruéis e violentas. Se a agroecologia como 
paradigma emerge hoje é porque o mundo está mudando para a compreensão de 
sistemas mais sustentáveis e holísticos. A outra ciência é um dinossauro do 
conhecimento. Precisamos seguir olhando para ele e dizendo que é grande. 
Precisamos também reconhecer que está caminhando em direção à sua extinção. E 
precisamos fazer crescer a nova espécie que vai sobreviver nesta grande fase de 
mudança de paradigma”, observava.
A roda de conversa 
Educação Popular e Bem Viver organizada pela 
Rede de Educação Cidadã é outro exemplo de espaço 
onde o tema do conhecimento era a base para o debate sobre a resistência ao 
atual modelo. Maria Emília Pacheco, assessora do Programa Direito à Segurança 
Alimentar, Agroecologia e Economia Solidária da Fase e presidenta do Conselho 
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), afirmou que é um desafio 
dos povos e comunidades valorizar seus conhecimentos sem deixar que sejam 
privatizados – por exemplo, a partir de patentes. Na opinião de Maria Emília, a 
discussão em torno de uma Política Nacional de Agroecologia que não permita a 
apropriação privada dos conhecimentos das comunidades, mas que valorize este 
conhecimento como bem comum, é um exemplo que materializa esta luta.
Moção aprovada na Plenária sobre Soberania 
Alimentar exigia da Presidenta Dilma a instituição de tal política nos moldes 
acordados com a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e os movimentos do 
campo.
Na roda, a apresentação de experiências para convivência sustentável em 
diversos biomas brasileiros - Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Pampas – se 
dava também a partir de músicas e a leitura de poemas.
Para ter uma mostra da diversidade de experiências de agricultura ecológica 
espalhadas pelo país a Articulação Nacional de Agroecologia lançou, em outro 
evento da Cúpula dos Povos, o projeto Curta Agroecologia. Os quatro primeiros 
vídeos já são 
distribuídos gratuitamente na internet para 
reprodução.
As "
nossas soluções" apontadas na Plenária sobre 
Soberania Alimentar começam pela reforma agrária e passam por uma série de 
outros itens ligados à luta por políticas públicas que apóiem a agricultura 
familiar e camponesa.
Entre tais itens, podemos destacar a exigência de que “Todas as compras 
públicas de alimentos provenham de fontes agroecológicas e que sejam retirados 
todos os subsídios a fertilizantes químicos e agrotóxicos”. É possível 
considerar este ponto uma menção clara a programas que já existem no Brasil - o  
Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar 
(PNAE) - e também um pedido para que sejam aprofundados e aperfeiçoados.
Ainda se depreende na afirmação que o modelo agroindustrial vigente só parece 
bem-sucedido porque por trás dele está uma grande quantidade de incentivos e 
subsídios dos governos. Sem isso, a agricultura industrial que conhecemos hoje 
não seria, sequer, possível, como afirmaram Angelika Hillback e outros em 
diversas atividades.
Em uma delas, o lançamento da segunda parte de uma grande pesquisa realizada 
pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). O dossiê “
Agrotóxicos, Saúde e Sustentabilidade” denuncia a 
contaminação no Brasil, maior consumidor mundial dos venenos na agricultura e 
alerta para a urgência de garantir no SUS a estruturação da Vigilância, Atenção 
e Promoção da Saúde relacionada à questão dos agrotóxicos, articulada a 
políticas de incentivo à agroecologia.
Na carta que resume os debates da Cúpula dos Povos o feminismo é afirmado 
como “instrumento da construção da igualdade”. Nos debates sobre soberania 
alimentar, mulheres agricultoras e feministas de diversas organizações 
localizavam seu trabalho como central na vida em sociedade e esforço fundamental 
na construção de uma alternativa ao modelo de desenvolvimento capitalista, 
patriarcal e racista. Na atividade “Feminismo, agroecologia e soberania 
alimentar: construindo um novo paradigma de sustentabilidade para a vida humana” 
foram apresentadas experiências de resistência muito concretas.
Nancy Iza, da CAOI, por exemplo, contou sobre a busca das mulheres indígenas 
do Equador pelo reconhecimento do seu saber tradicional. Também relatou que as 
campesinas têm lutado contra o avanço dos transgênicos e que precisam lidar, 
cada vez mais, com doenças que resultam do uso de agrotóxicos. Já Rejane 
Medeiros, da Marcha Mundial de Mulheres do Rio Grande do Norte, falou sobre a 
resistência das mais de 150 famílias contra um projeto de inundação da chapada 
de Apodi. Nessa área, há mais de 60 anos vem se desenvolvendo uma agricultura 
familiar baseada na agroecologia, no princípio da soberania alimentar e na 
convivência com o semi-árido.
Na manhã do dia 21, uma 
manifestação contra uso de agrotóxicos 
surpreendeu os participantes do evento da Confederação Nacional da 
Agricultura (CNA), montado no píer Mauá. Mais de 200 pessoas entraram no estande 
intitulado AgroBrasil, promovido pela CNA, Embrapa, Sebrae e multinacionais como 
a Monsanto para denunciar as “mentiras do agronegócio”. E esta não foi a única 
manifestação durante a Cúpula dos Povos a colocar a luta por soberania alimentar 
em lugar central.
* Extraído de 
www.fase.org.br
Fonte: Federação de Órgãos para Assistência Social e 
Educacional (Fase)